Abertura do Curtas: Diamantino ou a distopia [portuguesa] antropofágica

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Tive o privilégio de assistir à abertura do Festival Curtas de Vila do Conde com a exibição do filme Diamantino de Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt.

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O filme é de uma ironia corrosiva deliciosamente desconcertante. Mas ouçamos os realizadores:

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Paulo Portugal – (…) Falemos então de Diamantino, a tua primeira longa. Foi um processo algo longo, teve mesmo um outro nome. Podes descrever um pouco essa evolução? Encaras este filme como uma evolução e continuidade daquilo que tens feito?

Gabriel Abrantes – O Diamantino é um filme em que estou a trabalhar há cinco anos, com o Daniel Schmidt que trabalhou comigo em The History of Mutual Respect e Palácios da Pena. O processo de fazer a primeira longa é por vezes um processo algo lento. Eu já tinha rodado umas 15 curtas metragens quando comecei, agora terei umas 20, ou qualquer coisa assim. Apesar de tudo, a escala e a estrutura é muito diferente, bem como a quantidade de pessoas com quem temos de colaborar, nomeadamente produtores, que faz com que o processo seja um bocado mais lento do que estou habituado. Normalmente, faço umas duas curtas por ano, mas com uma longa em cinco anos já foi um processo muito diferente.

PP – Quem é o protagonista?

GA -O protagonista é o Carloto Cotta. Já tinha trabalhado com o Carloto várias vezes e adoro. A intensidade do trabalho com um ator com esse talento, mas com uma tela do tamanho de uma longa, que dá para elaborar mais ideias e uma proximidade emocional com a personagem principal. Acabou por ser um grande salto. As minhas curtas operam um espectro muito fechado. Uma das grandes influências do meu trabalho era o Bresson, aquela ideia dos atores quase automáticos, sem emoções. Na longa queria mudar um bocado isso e acho que o Carloto e toda a sua expressividade fez realmente a diferença entre este filme e os precedentes.

PP- Quanto à história, trata-se de um futebolista, tanto quanto sei com algumas referências ao Ronaldo…

GA -Não, não tem. O filme não é bem inspirado no Cristiano Ronaldo. Tem referências a ele, mas como a quaisquer outros futebolistas. Por exemplo, o cabelo curto, o brinco na orelha, etc. Foi inspirado em dois textos do David Foster Wallace, um autor americano dos anos 90 e 2000. Ele escreveu sobre ténis e a relação do génio estético e desporto. Por exemplo, na Renascença as pessoas ficaram muito fascinadas com a capacidade técnica do Da Vinci e do Miguel Ângelo que pareciam quase sobrenaturais, faziam algo que quase todos os humanos não conseguiriam fazer aquela obra perfeita. Hoje em dia com o lado técnico das artes muito menos em evidência, como a arte conceptual, a arte minimal, já não há esse choque de uma coisa humana ser praticada por um humano. Isso transferiu-se um pouco para o desporto. Quando se vê um desportista a fazer algo impossível pela maior parte de nós, cria essa possibilidade e esse ato estético. Pegámos então no desportista como uma metáfora para a estética de hoje. E exploramos ainda a análise do que proporciona isso, do que está por detrás da máscara que cria este eventos divinos.»

A ler na íntegra a entrevista de Gabriel Abrantes a Paulo Portugal

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“Nota Marginal”: Esta rubrica “outras cinefilias” é constituída por outros amores – amores cinéfilos – e só aparentemente é que não se relaciona com o Plano Nacional de Cinema. Consubstancia, para mim, uma prática preciosa e insubstituível na formação e elevação da minha sensibilidade estética e  consiste em ver filmes nos mais variados contextos, como por exemplo, em festivais, encontros, observatórios, mostras, retrospetivas e ouvir os seus realizadores. Única forma para aprender sobre Cinema. Um privilégio.

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