“E se fosse eu?”

Não creio que fosse possível simular numa sala de aula a perda de um pai, de uma mãe, de uma esposa, de um marido, de um filho, de um amigo.
Não creio que o simulacro pudesse ser bem-sucedido caso se tratasse do bombardeamento do país, da casa, da rua, do desaparecimento dos vizinhos, ou do desvanecimento das conversas, dos gritos, dos sorrisos e das lágrimas das pessoas às quais nos (des)unimos.
Creio que só as Artes (Cinema, Pintura, Literatura, etc…) têm a virtude e a excelência de corporificar as distopias e as utopias em realidades. Realidades transfiguradas. Porém, autênticas.
Creio que há situações em que a minha, ou talvez a nossa, imaginação é uma sombra muito ténue da realidade.
E se os sentimentos de empatia e de solidariedade, alicerçados na ficção, são efémeros e superficiais, a reflexão em torno da situação do Outro, o refugiado de uma vida digna, foi a realidade engendrada por mim e pela minha turma na Escola Secundária/3 de Amarante.
Portanto, na impossibilidade de deambularem de mochila às costas, sem dinheiro, sem bens de primeiríssima necessidade, sem morada certa – e mesmo assim, estas contingências seriam muito diferentes das dos REFUGIADOS -, os alunos do 11.º CLH2, responderam ao desafio “E se fosse eu?” de forma singular…

E se fosse eu - 11.º CLH2  Dia 6 de abril de 2016 041
Morreriam de frio, sem cobertores, e de fome, sem mantimentos, mas na mochila levariam os AFECTOS, fotos da família, dos amigos, a primeira boneca recebida, o bilhete de uma ida ao futebol com o pai, o diário secretamente escrito com a caneta especial, a carta (manuscrita, sem abreviaturas e isenta de tiques facebookianos), e a chama, símbolo da Esperança que teima em não abandonar os sonhadores, os resilientes, os que se reinventam ou renascem das cinzas porque, apesar da incerteza do futuro e do secretismo da vida, “Tudo é possível, se tentares”.

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Estes jovens sabem que se há um tempo para a destruição, também há um tempo para a reparação ou construção. O relógio no qual o tempo se esconde não espera pelas nossas acções, exige-as.
Já aprenderam a lição, paradoxal, que consiste em intuir que mesmo em situações de desumanidade extrema jamais abdicariam da sua humanidade, isto é, dos seus Afectos, essas memórias identitárias que, simultaneamente, nos esculpem o “Eu”, e são esculpidas com e através do(s) Outro(s).

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A pergunta deixou de ser “E se fosse eu?”, para ser “Quanto de ti poderei albergar em mim?”, ou ainda, “Poderei combater humanamente a desumanidade?”.
Orgulho-me destes alunos e estou-lhes Grata por me terem acolhido na sua (nossa) viagem afectiva e cogitativa.
E espero que este pequeníssimo exercício de educação da sensibilidade potencie nestes jovens uma reflexão profunda, pessoal mas também comunitária, isto é, se realize junto dos seus familiares, amigos e colegas, porque a Educação para a Cidadania interventiva e esclarecida é um processo moroso, quer dizer, não se faz nem repentinamente, nem com uma duração previamente estipulada. Extravasa as paredes da sala de aula e os muros de casa, combatendo as menoridades mentais, comumente designadas por preconceitos.

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A ideia “E se fosse eu?” partiu da Plataforma de Apoio aos Refugiados.

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