Viagem para dentro

A Mariana é uma jovem extraordinária, irrequieta, criativa, perguntadora e uma sobrevivente sonhadora. Foi minha aluna, entre 2010-12, do Curso de Artes Visuais da ESA. Aliás, eu fui a diretora de turma. E que turma desafiante em múltiplos aspetos!
Não estava com a Mariana há 6-7 anos, desde que concluiu a licenciatura em Estudos Artísticos e se mudou para Brighton. Regressou à família, aos amigos e aos professores mais próximos.

Ontem, reunimo-nos no Terrassa. Foi um reencontro emotivo, como devem ser todos aqueles que são preciosos e cúmplices da nossa biografia. Foi um banquete de afetos, de (re)conhecimentos, de partilhas, e de jogos.

Sim, houve uma competição com duas premiações e que consistiu em construir, a partir de uma folha de papel, o avião mais rápido e eficaz, mas também o mais original. Todos criaram um avião, menos eu que a minha destreza manual é parca, e portanto, optei por fazer um chapéu. Podia ter sido desclassificada, mas a Mariana é uma querida e premiou o “chapéu voador” como o mais criativo. Ganhei um jogo mental repleto de vaquinhas. Vou jogá-lo com os sobrinhos e irmãos.
O António, a Cátia e o Falco saíram-se exemplarmente na construção e na eficácia (todos lançamos ao ar as “brilhantes” criações) dos aviões. Venceu o António, irmão da Mariana, que também foi meu aluno.


Gosto de pensar que ser professora é um modo de resistir a todas as temporalidades porque o vínculo que se constrói é duradouro e a relação maravilhosamente aberta e imprevisível.
Ontem, viajei/viajamos com a Mariana. Tive/emos direito a uma malinha de viagem, a um avião privado de papel e a uma Mariana ”Comissária de bordo”, acolhedora e intimista, que nos relembrou que “A Vida é uma viagem” e que as viagens aparentes e superficiais são efémeras e inúteis:

«A Vida é uma viagem

Bom dia, caros passageiros,
Sejam bem-vindos abordo do Voo VIDA95 com destino a Felicidade e escalas em Altos e Baixos.
Por medidas de segurança, acomodem as bagagens de mão nos compartimentos mentais e emocionais que ajudam ao trabalho do desenvolvimento pessoal.
Pedimos que apertem os cintos de segurança e a sua atenção para demonstração do nosso equipamento de emergência.
Em caso de atribulação, máscaras individuais cairão automaticamente dos painéis acima dos seus lugares. É uma opção pessoal usar uma máscara para lidar com as suas crises individuais. Mas neste momento, estando rodeados de uma tripulação familiar aconselhamos o uso de honestidade e vulnerabilidade.
Passageiros viajando com crianças ou alguém que necessite de ajuda, lembramos que deverão ajudar-se primeiro para em seguida auxiliá-los.
Este avião possui várias saídas de emergência, observe a indicação dos comissários e identifiquem a saída mais próxima de seu assento. Estas serão encontradas num colo emprestado, num ombro amigo onde chorar, num abraço apertado ou na cumplicidade de um olhar.
Recomendamos a leitura e análise das instruções de saúde mental que se encontram a frente dos seus lugares.
Observem os avisos luminosos da vida que indicam esperança e perseverança.
A vida tem sido uma autêntica viagem cheia de atribulações. Eu tenho estado longe. Longe de casa e longe de ti, mas perto de mim. Tenho estado numa descoberta interior muito intensa que me tem levando a “aventuras” muito complexas. Com altos, por vezes demasiado altos, e baixos, tão baixos que me enterram no subsolo.
A minha saúde mental tem sido o meu maior desafio e tenho muitos medos e sustos que prefiro evitar recordar, mas tenho de os curar.
A vida é feita de lutas, de partilha e amor e é aqui que me encontro. A partilhar amor e presença com quem mais quero e mais me ajuda. Porque outrora foi (quase) tarde demais. Infelizmente alcancei limites que nunca pensei alcançar. Limites que acabaram por me ajudar a ver que afinal esta viagem é muito mais do que uma “solo trip”. É uma viagem para dentro onde a maior aventura é a descoberta de si mesmo. Mas uma viagem segura com o apoio dos que mais me querem aqui.
Neste momento, há mais luz e eu decidi voltar ao meu mundo e revelar por onde tenho andado.
Obrigada por estares aqui, por me ouvires e por talvez continuares comigo mesma depois do retorno à ilha.
A Companhia Mariana agradece a sua presença e deseja a todos uma boa viagem!»

Acho que para a Mariana os voos são sempre sonhos ou serão o inverso?

Pequenas Felicidades ou viagens com ”colos emprestados”, “ombros amigos”, “abraços apertados” e “olhares cúmplices” que dotam a vida com algum sentido e nos estimulam a desejar outras viagens.

Na verdade, o importante não foi a viagem geográfica, foram os laços viandantes que nos permitiram continuar a alimentar estes elos imperecíveis.
Obrigada, Querida Mariana Sofia Lima por esta “viagem para dentro” que iniciou em 2010. Gostei tanto de estar contigo e com todos.
Até ao próximo voo.

Top