Foi com enorme prazer que assisti à cerimónia de abertura do BEAST International Film Festival.
Apesar da sua biografia curta – trata-se da 3. ª edição – é um Festival que tem a sua raiz identitária na promoção de olhares-diálogos sobre o Cinema contemporâneo da Europa de Leste.
Esta sessão inaugural brindou os espetadores com um belíssimo filme Summer Survivors ou Sobreviventes de Verão (2018), da realizadora Marija Kavtaradzė.
Ficha técnica:
Realização e argumento: Marija Kavtaradzė
Lituânia, 2018, 91′
Sinopse:
Uma ambiciosa psicóloga e investigadora, Indre, que, relutantemente, concordou em transportar dois pacientes de uma unidade psiquiátrica para outra, em troca de apoios na sua investigação. Indre acaba por liderar um estranho grupo ao longo da sua viagem pelo mar. Paulius é um jovem extrovertido, em estado maníaco, causado pela sua doença bipolar. Juste é mais sossegada, apresentando feridas escondidas. Ambos se confrontam com as suas lutas interiores.
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Na narrativa fílmica, as personagens viajam geograficamente fora de si, dado que se deslocam entre cidades no carro da instituição psiquiátrica, mas também psicologicamente dentro de si. Viagens que as/se aproximam e distanciam, que convergem e divergem na busca incessante da inteligibidade que subjaz ao universo da(s) doença(s) mental/ais.
A realizadora falou no início e fim da exibição do filme, enfatizando a autenticidade que procurou impregnar no filme, por exemplo mantendo os nomes reais Indre, Paulius, Juste nas personagens.
Perguntei-me: até que ponto o nome, concebido como uma espécie de batismo ontológico, carrega o nosso ser? Ou será o inverso? Pode o nome, ao invés do corpo como pretendia Platão, ser o cárcere do ser?
Lembrei-me do romance de José Saramago Todos os nomes (1997), no qual as personagens “sem nomes” ultrapassam a dimensão individual, singularizando-se na universalidade. Lembrei-me de M. Foucault e da sua Histoire de la Folie, (1961). Lembrei-me do intenso documentário A la folie (2013), de Wang Bing, realizador que filmou durante três meses os pacientes do hospital psiquiátrico de Yunnan, China.
Apesar das acentuadas diferenças entre os dois filmes, (pre)sente-se o desejo dos realizadores em apresentarem “realisticamente” a doença mental como alteridade da/na mesmidade do humano, demasiado humano.
Um filme perguntador. E em excelente companhia. Não poderia pedir mais.
Muito grata pelo convite, André Lameiras e Radu Sticlea.