F.J. Ossang no 25º Curtas Vila do Conde

3 Curtas 2017 Dia 10 056

«Le cinéma c’est le rêve du réel.»
F.J. Ossang

Neste 25.º Curtas Vila do Conde, o cineasta homenageado foi Ossang. Tive a preciosa oportunidade, e o privilégio, de  assistir à apresentação dos seus filmes pelo próprio,  e  a um debate com a investigadora Nicole Brenez da Cinemateca francesa. Conversei com ele e com a sua Musa, Elvire.  Je suis enchantée!

Ossang, Nuno, Urbano 001

[Nuno Rodrigues, J.F. Ossang, Luís Urbano]

«F.J. Ossang est d’abord un écrivain. Influencé par le cut-up initié par William S. Burroughs, il commence à écrire l’âge de 13 ans, pour être édité à 17 ans, alternant romans, ouvrages de poésie, carnets de voyage, puis textes pour ses chansons. Parallèlement, il se lance dans la musique, fondant un groupe punk, MKB (Messageros Killers Boys) qui apparaît sur la BO de ses films, et évoluera vers un style plus industriel à l’exemple du groupe anglais Throbbing Gristle, dont en 2007 le titre Convincing People constituera la bande sonore de son court-métrage Silencio.
F.J. Ossang intègre L’IDHEC en 1981 et réalise son premier court-métrage L’Énigme, en 1982. Depuis, il a réalisé quatre longs métrages : L’Affaire des Divisions Morituri en 1984, Le Trésor des îles Chiennes en 1990, Docteur Chance en 1997 et Dharma Guns en 2011. Il a également réalisé cinq courts-métrages et plusieurs clips, dont Silencio, qui obtint le prix Jean-Vigo.»

Cinémas libertaires. Au services des forces de transgresssion et de révolte. Dir. Nicole Brenez et Isabelle Marinone.Presses Universitaires du Septentrion, 2015, pág. 303.

Docteur Chance

[Joe Strummer em “Docteur Chance”, 1997]

«Escritor, editor, poeta, músico e cineasta, F.J. Ossang é uma personalidade à parte (talvez fosse mais correto dizer à margem) no já de si bastante eclético panorama cultural francês. Apesar de, na sua vasta e diversificada obra, o cinema ser a vertente menos prolífera, será, porventura a que mais visibilidade lhe deu, pelo menos além-fronteiras. Com efeito, a sua carreira como realizador, iniciada em 1982, resume-se a apenas quatro longas-metragens e cinco “curtas”. Seja por se sentir – pelo menos cinematograficamente – um estrangeirado, um alien no seu próprio país, seja por razões puramente económicas, seja por outra razão qualquer, o facto é que, três das suas quatro longas-metragens foram rodadas fora de França (a exceção é L’AFFAIRE DES DIVISIONS MORITURI, a única não incluída neste programa). A ligação da sua obra a Portugal é evidente: dois dos seus filmes – LE TRÉSOR DES ÎLES CHIENNES e DHARMA GUNS tiveram como cenário os Açores e o DOCTEUR CHANCE tem como protagonista Pedro Hestnes.»

In (RE)VISITAR F.J. OSSANG, Cinemateca Portuguesa

Ossang

34592

Filmografia:

La Dernière Énigme, 1982
Zona Inquinata, 1983
L’Affaire des Divisions Morituri, 1985
Treasure of the Bitch Islands, 1990
Docteur Chance, 1997
Silencio, 2007
Ciel éteint !, 2008
Vladivostok, 2008
Dharma Guns (La Succession Starkov), 2010
9 Fingers, 2017

Vale a pena (re)descobrir F.J.Ossang. Sugiro a leitura do artigo de Luís Mendonça:

«(…) Provavelmente não conhece o nome, mas tinha tudo para conhecer. F.J. Ossang é um cineasta francês que há mais de vinte anos descobriu em Portugal, em particular na paisagem açoriana, o set ideal para o seu cinema pós-apocalíptico, resistentemente filmado em película e predominantemente a preto-e-branco. A sua segunda longa-metragem, Le trésor des îles chiennes (1990), é uma produção de Paulo Branco e tem no elenco alguns actores portugueses, tais como José Wallenstein, Diogo Dória e Pedro Hestnes. Estes dois últimos trabalhariam de novo com Ossang, dentro daquilo que se poderia denominar de um regime de familiaridade no seio do seu cinema. Familiaridade não só com as pessoas, mas, acima de tudo, com a paisagem e com a luz. Nem de propósito, o seu próximo filme será rodado de novo nos Açores e contará mais uma vez com produção portuguesa, da responsabilidade, desta feita, de Luís Urbano, o homem forte de O Som e a Fúria. Neste texto procuro esboçar o retrato deste cineasta obscuro – isto é, poeta punk da e pela obscuridade – a partir das palavras que trocou comigo, após a retrospectiva do seu trabalho entre os dias 8 e 10 de Setembro na Cinemateca Portuguesa.

F.J. ASSANG E MÃO MORTA 025

No seu livro Mercure insolent, editado há dois anos pela excelente Capricci, Ossang torna públicos alguns apontamentos mais ou menos avulsos sobre a sua relação com o cinema e com a vida. Dois temas sobressaem desta leitura: a viagem e o sono. É simples de perceber o prazer de Ossang pelas possibilidades que o exterior, ou o desconhecido, lhe pode suscitar. O cineasta, também escritor, poeta e músico, cita Fernando Pessoa para ilustrar esta ideia: “navegar é preciso, viver não é preciso”. À excepção da sua longa-metragem de estreia, L’affaire des divisions Morituri (1985), os seus filmes lidam directa ou indirectamente com uma certa “arte da fuga”. Docteur Chance (1997), um road movie noir (mas, algo raro em Ossang, com muita cor) passado no Chile com um elenco internacional liderado por Pedro Hestnes, leva a ideia de viagem até às últimas consequências. Mas mesmo os filmes que roda nos Açores, chiennes e Dharma Guns (La succession Starkov) (2010), propõem este mergulho no desconhecido, num certo “país dos mortos” onde não há bússola ou mesmo coordenadas certas.

F.J. ASSANG E MÃO MORTA 026

O grande mistério nos seus filmes está no percurso que as suas personagens traçam na paisagem e a forma como esta “passagem” se imprime na película. Os Capelinhos, por exemplo, surgem em chiennes como uma reedição da “zona tarkovskiana”, sugerindo simultaneamente um tempo do passado e um tempo do futuro. O apocalipse temporal, sugerido pela fórmula, que o próprio Ossang enuncia no seu livro, de “retro-science-fiction”, será também um apocalipse na e da imagem. Por um lado, o “deserto vulcânico”, despido e imemorial, dos Capelinhos remete para esta ideia paradoxal de “regresso ao futuro” ou de “vinda de um passado” que não sabemos localizar. Talvez só, e entra aqui o segundo tema, em sonhos. Por outro lado, temos o preto-e-branco cavernal, quase primitivo, apanhado em toda a sua extensão granulosa pelo scope, da autoria de Darius Khondji, grande director de fotografia descoberto neste filme por Paulo Branco e Ossang e que hoje assina a fotografia de cineastas como David Fincher, James Gray ou Woody Allen. A imagem aparece aqui numa materialidade própria. Ossang é um apocalíptico também porque, como defende apaixonadamente em Mercure insolent, no cinema de verdade a imagem é como uma entidade vida ou mesmo “um cancro”. Esta dimensão háptica ou sensível do cinema enfrenta hoje a sua dissolução devido à ditadura do numérico. A dimensão punk de Ossang vai para lá das suas intrigas sci-fi mais ou menos elusivas. Ele apresenta-se como um cinéfilo fidelíssimo às suas raízes.

F.J. ASSANG E MÃO MORTA 027

Antes de se ter aventurado no universo do cinema, Ossang era um escritor, um poeta e um músico. Foi seduzido pelo cinema através da descoberta dos clássicos. “Descobri o cinema como um tóxico, como um excitante. Comecei-me a interessar pelo cinema quando descobri os velhos cinemas. Os modernos são cinzentos, banais”. A sua desconfiança pelo cinema contemporâneo – Ossang prefere aplicar o conceito nietzschiano de “inactualidade” – é visível, quase palpável, nas imagens do seu cinema, mas também na própria marginalidade do mesmo dentro de qualquer sistema de produção. Dificilmente conseguimos categorizar ou datar o seu cinema, dado o caminho solitário que Ossang vai traçando em paisagens onde vinga o conceito de estranheza. Ainda assim, é inevitável pensar-se numa linhagem em que Raoul Ruiz [Territory (O Território, 1981)] e Wim Wenders [O Estado das Coisas (1982)] aparecem antes de Ossang, nem que seja por causa desta exploração do território português como motivo para uma aventura sci-fi/fantástica/pós-apocalíptica.(…)»

Artigo integral em À Pala de Walsh

F.J. ASSANG E MÃO MORTA 016 F.J. ASSANG E MÃO MORTA 052

[Nicole Brenez e F.J. Ossang]

F.J. ASSANG E MÃO MORTA 056 F.J. ASSANG E MÃO MORTA 067

_____________________

“Nota Marginal”: Esta rubrica “outras cinefilias” é constituída por outros amores – amores cinéfilos – e só aparentemente é que não se relaciona com o Plano Nacional de Cinema.
Dado que consubstancia, para mim, uma prática preciosa e insubstituível na formação e elevação da minha sensibilidade estética e que consiste em ver filmes nos mais variados contextos, como por exemplo, em festivais, encontros, observatórios, mostras, retrospetivas e ouvir os seus realizadores. Única forma para aprender sobre Cinema. E um privilégio.

Top