Belarmino sob o olhar da Psicologia

Belarmino

O Cinema Novo, que veio estabelecer uma rutura com as comédias típicas dos anos 30 e 40, foi inaugurado por “Belarmino”, filme de Fernando Lopes, e é nesta personalidade, precisamente, que o cineasta encontra o seu alter-ego. Segundo Gérard Castello-Lopes (fotógrafo, crítico e distribuidor de cinema português): “Da derrocada de um [Belarmino] saiu a vitória do outro [Fernando Lopes] ”.

Esta nova conceção cinematográfica advém da admiração do cineasta pelo cinema americano – daí o género de documentário e os tons escuros da tela: representantes fiéis da Lisboa da época. Em contrapartida, foi escolhido o Jazz para banda sonora – ponto que contrasta com a obscuridade da imagem e confere um cunho ousado e requintado ao filme.
Em traços largos, este filme alicerça-se na narrativa de identidade do protagonista, conjugado com um ato introspetivo. Deste modo, a introspeção admite um excesso de subjetividade que alimenta um certo isolamento social. Este individualismo está patente nas seguintes fotografias, nas quais observamos a singularidade de Fragoso perante a sociedade (multidão) e os comportamentos (automóveis).

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Belarmino, oriundo de uma família humilde, destaca-se pelo esforço em ultrapassar as contrariedades da vida: desde cedo, foi engraxador de sapatos nas ruas de Lisboa, até ingressar, aos 18 anos, no pugilismo. Aqui, teve inúmeros sucessos chegando, inclusive, a ser bicampeão português e a participar em campeonatos no estrangeiro.
Casou com Maria Amélia (mulher que conheceu no Porto) e teve duas filhas, sendo que a primeira foi entregue para adoção devido à falta de condições que assegurassem o seu normal crescimento. Apesar disto, apresentou sempre um cariz rebelde e boémio, como a geração que o próprio integrou. Aos 32 anos demonstrou a sua capacidade artística na coloração de fotografias, visto que se afastara da atividade desportiva por ter sido ludibriado por Albano Martins, seu manager. Este, por sua vez, é caracterizado por Belarmino como um “sacador” – opôs-se sempre ao seu sucesso e apropriou-se dos seus lucros.

Desta narrativa individual nasce uma narrativa social, resultante da interação com o meio. Assim, o ambiente social de Portugal de então influencia a forma como este “boxeiro” se define e perspetiva o mundo externo, de modo que, a partir deste filme, criticam-se a mentalidade e o comportamento do povo português. Aliás, Fernando Lopes denuncia a penúria, a miséria e a elevada taxa de analfabetismo preconizada pelo governo do Estado Novo. Mais, condena as ausências de liberdade de expressão – censura, simbolicamente representada pelo cenário que inicia e encerra a composição cinematográfica (grades, na figura abaixo) – e de apoios aos desportos, nomeadamente ao pugilismo. Particularmente, a personalidade em destaque, Belarmino, apresenta uma capacidade reduzida de comunicação, provocada pela falta de escolaridade (concluiu apenas a 3ªclasse).

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Cerca de 35 anos depois da sua morte, Belarmino é ainda considerado um grande ícone da história do pugilismo, em grande parte graças ao filme de Fernando Lopes. Nele, perpetuaram-se a alma e a grandeza daquele que, nas palavras dos Linda Martini, foi ‘’sempre pouco, com medo de ser inteiro’’.

Ana Rita Félix, Diana Pinto, Inês Sofia Costa, Maria Pinto, Maria Silva

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A opção de treinar sozinho

Uma parte importante do documentário é o isolamento constante de Belarmino, uma vez que partilha o espaço com outros  “boxeiros” profissionais, mas não treina com eles. Talvez por achar que não existe ninguém capaz de o acompanhar. Uma vez que os treinos são fundamentais para a evolução de um desportista, o treino com alguém com capacidades inferiores a este pode prejudicar a evolução de um desportista. E na cabeça de um desportista profissional não existe mais um treino, existe “o treino”, já que este luta para se sustentar a si e à sua família. Para um bom desportista conseguir subir na sua carreira, precisa de ter confiança em si próprio como explica Cristiano Ronaldo quando confrontado por Judite Sousa sobre a sua rivalidade com Messi, Cristiano responde se uma pessoa não achar que é a melhor na sua profissão é porque não tem ambição. É verdade que existe uma linha ténue entre confiança e arrogância, o que não é o caso de Belarmino uma vez que este é uma pessoa humilde, a quem o destino não sorriu.

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A resiliência

A personagem revela um carácter resiliente, isto é, uma capacidade de o indivíduo lidar com problemas, adaptar-se a mudanças, superar obstáculos e até mesmo resistir à pressão de situações adversas – choque, stress etc. – sem entrar em surto psicológico, emocional ou físico, por encontrar soluções estratégicas para enfrentar e superar as adversidades.
Belarmino Fragoso desde cedo que passava dificuldades, a sua situação económica era instável, mas nem isso o fez baixar os braços. Para se sustentar ganhava a vida a engraxar sapatos pelas bandas de Lisboa, na idade da adolescência, mais tarde realiza o sonho e entra para o mundo do boxe, mesmo assim passa por grandes dificuldades. Sem meios de sustento a personagem procura ajuda a alguns amigos, pedindo dinheiro emprestado e colorindo umas fotografias para dar de comer à família, e mesmo assim vê-se “obrigado” a entregar a primeira filha a um amigo, para este tomar conta da mesma.

A corrupção no boxe pode estar lado a lado com o desporto, visto que são muitos os casos de corrupção neste desporto. Quando falamos em corrupção pensamos em doping e em resultados combinados, nunca nos lembramos de pensar que o desportista pode estar a ser manipulado por pessoas próximas a si, como um manager. Este é o caso de Belarmino, que se torna um “escravo” do seu manager. Belarmino foi enganado, caiu em mentiras, foi traído pela pessoa onde depositou a sua confiança e seguiu ilusões alimentadas pelo boxe que levaram à exploração de tantos outros desportistas como Belarmino.  Mas esta culpa, atribuída por Belarmino ao treinador pode corporificar um mecanismo de defesa de ego, na linguagem freudiana, que se designa como racionalização e consiste numa estratégia de justificação lógica e a posteriori, com o fim cde evitar sentimentos de inferioridade.

Belarmino afirma: “Para o boxe não vão arquitetos, nem engenheiros. São homens como eu, vadios. “, com esta citação podemos refletir sobre o estado de espírito de Belarmino, já que este se sente um “vadio”, visto que só envergavam no boxe pessoas sem habilitações, que tinham de se submeter a tudo para sobreviver, quase fazendo lembrar as lutas nas arenas da Antiga Roma, visto que ambos os casos têm como finalidade principal a luta desenfreada pela (sobre)vivência.
Belarmino diz-nos também que “a vida é como o desporto, é bela, nós é que damos cabo dela”, referindo-se à sua situação e à constante corrupção a que assistiu durante os seus tempos de boxeiro.

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O filme é excecional, um documentário de Fernando Lopes que integra a vida e a imagem que Belarmino tem de si mesmo, construída em interação com o meio ou a cultura, tal como Bruner havia enfatizado. Com este exemplo manifesta-se que não devemos confiar em demasia nos amigos nem nos devemos deixar levar pelas más companhias.

Rute Gonçalves, Ricardo Cunha, Nuno Correia

A Psicologia do Desporto

Após a visualização do filme “Belarmino” surge como conceito base o conceito de psicologia do desporto.
A psicologia do desporto é o ramo da psicologia que estuda os processos psíquicos e a conduta do homem durante a atividade desportiva. Esta ciência aplicada procura conhecer e otimizar as condições internas do desportista para alcançar a expressão do potencial físico, técnico e tático adquirido no processo de preparação.
Desta forma, o psicólogo do desporto ajuda o atleta a controlar o stress, responsável pela desorganização emocional e comportamental podendo afetar o seu rendimento. Por outro lado, tenta passar da expectativa de êxito (quando o desportista sente que a sua habilidade está directamente associada à vitoria desportiva) para a expectativa de eficácia (para que as acções e os movimentos técnicos ocupem a sua atenção e os seus sentimentos).
O psicólogo do desporto deve ajudar o desportista a conciliar a vida pessoal com a vida profissional, de maneira que obtenha uma boa relação entre o corpo e a mente, e deste modo conseguir melhorar cada vez mais os seus resultados.
Os problemas mais comuns com que os psicólogos do desporto têm de lidar são os seguintes: angústia, falta de concentração, ansiedade, stress, etc.
Fica a questão: Será que se Belarmino tivesse algum tipo de acompanhamento psicológico este teria sido um melhor “boxeiro”?

Pedro Silva e David Ribeiro

Evocações e Memória a longo prazo

De acordo com o que se visionou no filme, Belarmino Fragoso foi um grande pugilista que se veio a tornar campeão dessa modalidade. O filme baseia-se neste facto e o papel das recordações, da memória,  é decisivo para o mesmo. Belarmino após o seu apogeu no Boxe caiu em decadência e a sua vida voltou à de antigamente, ou seja, passou a ser um mísero engraxador de sapatos. Enquanto Belarmino exercia o trabalho de engraxador, a sua memória remetia-o para o seu passado efémero, todavia cheio de sucesso e fama. Vemos aqui um bom exemplo da memória a longo prazo, os acontecimentos que são decisivos na vida irão ser relembrados até aos últimos dias.  Mas por outro lado, essas recordações causam-lhe também um pouco de tristeza pois tudo isso foi passado. A personagem, de baixo estatuto social e de escolaridade a condizer, ou seja, muito baixa, alimenta-se da nostalgia, da saudade tão tipicamente portuguesa.  Será que os episódios evocados pela memória a longo prazo de Belarmino sofreram alguma distorção mnésica? Até que ponto Belarmino é autêntico?
Na minha opinião pessoal, o filme é magnífico e o mesmo se aplica à sessão com o Prof. Paulo Cunha, pois referiu que um filme que nos faz refletir e que transmite várias mensagens que nunca nos esqueceremos é de facto um bom filme. É precisamente o caso de “Belarmino”, considerado um dos melhores filmes do cinema  português.

Carlos Carvalho

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O’ Neill & Fernando Lopes

“Amigos Pensados: Belarmino

Tiveste jeito, como qualquer de nós,
e foste campeão, como qualquer de nós

Que é a poesia mais que o boxe, não me dizes?
Também na poesia não se janta nada,
mas nem por isso somos infelizes.

Campeões com jeito,
é a nossa vocação, nosso trejeito.

Esperam de 1 a 10 que a gente, oxalá, não se levante
– e a gente levanta-se, pois pudera, sempre.

Belarmino:
Quando ao tapete nos levar
a mofina;
tu ficarás sem murro,
eu ficarei sem rima,
pugilista e poeta, campeões com jeito
e amadores da má vida.”

Alexandre O’Neill, 1965

O poema acaba por resumir a vida de Belarmino deportada no documentário. Faz uma comparação entre a vida de miséria deste pugilista e a de um poeta. Quais as diferenças (?) no final os dois “cairão”, quando a fama já não lhes chegar, quando o pugilista ficar sem murro e o poeta sem rima serão estes campeões sem jeito acabados.
Qualquer ser é dotado de talento, e Belarmino foi mais um talentoso, como Portugal havia sido. Portugal havia-se destacado na era dos descobrimentos, mas agora tal como na poesia e no boxe também não se janta nada. Aliás chamar-lhe-emos causa ou efeito? Se nem Belarmino, nem O’Neill, nem qualquer outro janta nada isso deve-se a quem escondido e indiretamente Fernando Lopes tenta criticar, Salazar e toda a censura, o país que outrora talentoso sem lhe faltar o murro ou a rima agora se deixa cair nas mãos de um ditador deixando-se levar ao tapete e causando miséria e desolação.

Belarmino e as Mulheres

“Se calhar vou dizer-lhe uma coisa estranha, mas tenho um enorme respeito pelas putas. Uma grande ternura e um grande respeito.”, diz Belarmino no documentário.

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Pela sua passagem pelo Porto, encontrou a mulher com quem veio a casar – “uma boa trabalhadeira, que fazia bem todas as lides de casa e que às vezes até ganhava 10 ou 15 escudos”, disse.
Belarmino desenha a imagem da mulher de classe média, não é mais nem menos aquela de dona de casa, dependente e submissa, pois a mulher dele ficava em casa a desempenhar as tarefas domésticas.
Na década de 60 (época salazarista em Portugal), a mulher não passava de uma mera dona de casa, restringida às tarefas quotidianas do lar.
Na época de Salazar, a mulher servia apenas para as tarefas domésticas e para cuidar dos filhos, enquanto o marido trabalhava para sustentar toda a família. Quando este chegasse a casa, cansado e devastado devido ao seu trabalho, a mulher devia esperá-lo com a casa limpa e arrumada e o jantar preparado.
É importante destacar o papel da mulher como esposa nesta época. Esposa esta carinhosa e submissa e uma mãe sacrificada, pois esta tinha o dever de educar e criar os seus filhos. As mulheres deviam também ser boas cozinheiras e saber costurar, estes eram requisitos essenciais para uma boa esposa e dona de casa.
Tudo que exigiam às mulheres fazia com que estas encarassem o casamento como uma obrigação, pois estas viviam em função do marido e dos filhos toda a sua vida. Acrescentando ainda o facto de não terem um papel ativo na sociedade. Para as mulheres daquela época era proibido o uso de minissaias e biquínis. Aquelas que ousassem em se vestir de tal forma eram alvo de olhares críticos e comentários maldosos e desagradáveis, mas também, muitos pais proibiam as filhas de usar calças, obrigando-as ao uso de saias compridas.
O que podemos retirar de tudo isto, é que realmente se vivia num período de censura, onde tudo era controlado e punido caso não obedecessem às regras impostas. A mentalidade dos anos 60 era, de facto, uma mentalidade retrógrada. Vivia-se num mundo completamente cheio de limitações e completamente vazio de liberdades.
A prisão que inica o filme e as grades com que o fecha representa na plenitude esta época marcada pela falta de liberdade, pela censura.

“Foste sempre pouco com medo de ser inteiro”

O verso: “Foste sempre pouco com medo de ser inteiro”, da canção “Belarmino” do grupo Linda Martini, define a vida de Belarmino, a até mesmo a sua própria personalidade.
Belarmino podia ser uma pessoa insignificante para outro país qualquer, mas para Portugal era um campeão. Este pugilista consegue estabelecer uma relação “amigável” entre si e o público, apesar de os portugueses reconhecerem que Belarmino mentia, sabiam que isso era uma mais-valia, pois ficavam mais perto realidade.
Para além de outras características, este pugilista insere em si a ignorância, a mediocridade e a indisciplina. Este conjunto de características origina o “medo de existir”, melhor dizendo: “(…) medo de ser inteiro.”. Ao usufruir destas características, Belarmino não se estava a dar por inteiro, não estava a ser quem realmente era, o que tornava a expressão: “Foste sempre pouco (…)”. Era pouco e não lhe seria permitido ser mais num país enclausurado pela censura. E o facto de ele poder ter sido grande se tivesse nascido noutro país mostra a diferença, daquilo que ele poderia ter sido caso fosse inteiro, desta forma, teve medo, e foi tão pouco.

Crítica a Belarmino

«Belarmino» começa com esta expressão: “podia ter sido um grande pugilista, talvez até dos melhores da Europa”. Belarmino Fragoso poderia tê-lo sido realmente, se não vivesse na época que o país ultrapassava e se soubesse distinguir a necessidade do sonho.
Ao longo da entrevista percebemos o quão triste e dura foi a vida deste pugilista, mas que, apesar de todas as dificuldades que teve de passar, insistiu na sua carreira, sobretudo porque era o seu ganha-pão, mais até do que pelo verdadeiro amor ao desporto (que o tinha, não colocamos isso em causa). Mas ao mesmo tempo, conhecemos Belarmino por dentro: os seus gostos, as suas distrações, a sua forma de ver o mundo que o rodeava e no qual ele se sentia sozinho, tantas vezes, entre a multidão.
Homem pobre que quando questionado sobre a fome e o facto de muitas vezes não jantar remata de seguida “fome, fome, não era bem fome, não foi fome de três dias, era mais uma fraqueza razoável”, esta resposta acaba por ser emblemática e caracterizar completamente esta personagem da vida real, gabarolas, engraçado pronto para responder a tudo! Uma outra frase que levamos para casa e para a vida após assistirmos ao documentário é “A vida é bela, nós é que damos cabo dela.”
Não passa, no entanto, de mais um homem, daqueles que ainda hoje persistem e insistem em não nos largar, um homem desiludido consigo próprio, com o país em que vive. Situações e desânimo que o levam a deixar a carreira e o colocam novamente num estado de miséria. Os nossos “belarminos” de hoje, são tal como este, homens de trabalho, homens honestos que se sacrificam para dar de comer aos seus.
A certo momento diz-se que se Belarmino teria sido um grande pugilista se tivesse nascido noutro país. (Isto vai de encontro à expressão que referimos como início da cena fílmica.) E é este sentimento que os contemporâneos salazaristas tinham, mas que e devido à censura ousavam dizê-lo. A coragem para em filme, de forma disfarçada o “gritar”, gritar ao país e a Salazar que este lhes condicionava os sonhos, lhes condicionava as carreiras, a vida! Esta coragem é digna de todo o sucesso e do patamar em que se coloca a obra.
Era mais um português, mas Fernando Lopes fez deste uma referência de persistência e deste filme uma referência no Cinema Português.

Beatriz Ferreira, Helena Andrade, Joana Sampaio, Margarida Mota

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[Nota Marginal: Fragmentos de trabalhos elaborados no âmbito da disciplina de Psicologia B, após a sessão do dia 20 de janeiro “O Cinema está à tua espera” (PNC), com o Prof. Paulo Cunha a apresentar e debater com os alunos o filme de Fernando Lopes na sala de Cinema Teixeira de Pascoaes. ]

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