Todos os dias do Plano Nacional de Cinema (PNC) são desafiantes mas este brilhou mais porque a Teresinha, do filme “Aniki Bóbó” de Manoel de Oliveira, visitou a exposição “Segue sempre por bom caminho” e foi surpreendida por “miúdos”* que entoavam a cantilena “Aniki-bébé Aniki-Bóbó”! Encantada, a “nossa” a Teresinha cantarolou com eles!
Os Sésamos em ação:
E seguimos, por muito bom caminho, até à Biblioteca Municipal Albano Sardoeira para contemplar o documentário de Bárbara Veiga “Viagem até Casa”, 2010, na sua presença.
Ficha Técnica
Título: Viagem Até Casa
Realização / Argumento: Bárbara Veiga
Com a colaboração de Agostinho Veiga
Produção: ESMAE/IPP
Direcção de Fotografia / Imagem: António Morais
Ass. Imagem: Pedro Negrão, Jorge Silva
Som: Luis Moya, Mariana Ferreira, Tiago Veloso Dias
Música: João Lóio
Correcção de Cor: Carlos Filipe Sousa
Masterização de Áudio: Diogo Manso
Crianças ATL Junta de Freguesia de Miragaia, Ludoteca Junta de Freguesia de S. Nicolau, Testemunhos Fernanda Matos, Helder Pacheco, Manoel de Oliveira, Manuel Ferreira, Joana Caetano, Joaquim Sobral, Maria Correia, Ermínia Ferreira, José Cardoso, António Marques
Apoio ICA, Ministério da Cultura
PORT. Documentário,2010, 34’19’’
Segundo Bárbara Veiga, “Viagem Até Casa é um documentário rodado em 2010 no coração da cidade do Porto,exactamente nos mesmos locais de Aniki-Bóbó (1942), a primeira ficção de Manoel de Oliveira,nomeadamente Miragaia, Ribeira, Sé, Sobreiras.
Aglomera, assim, testemunhos de pessoas naturais desses locais que na altura terão assistido às filmagens da mesma e conta com a participação de crianças provenientes de Miragaia e S.Nicolau, que, após o visionamento desse filme, fizeram a recriação de algumas cenas.
Este documentário inclui também os testemunhos de Fernanda Matos, a personagem “Teresinha” no filme do realizador centenário, de Helder Pacheco, reconhecido historiador relacionado com a temática do Porto, e de Manoel de Oliveira.”
E a Carina Lopes, minha aluna da disciplina de Filosofia, 11.º CLH1, leu o seu excelente texto:
“A minha infância (séc.XXI) / Infância em Aniki Bobó (1942)
Apesar de ter frequentado o ensino pré-escolar completo, ao concretizar um exame introspetivo aos primeiros anos da minha infância, reconheço que a génese do meu contacto social com os meus semelhantes só decorreu ao ingressar na escola primária. Sem aviltar a influência que o infantário deteve na formatação do meu caráter, considero que, de uma perspetiva positiva, as minhas relações sociais primárias nasceram no ensino básico.
Recordo-me do primeiro dia, do ambiente acolhedor e do calor ávido que brotava dos olhares inquietantemente curiosos das crianças presentes. Lembro-me do receio típico de quem está prestes a partir em busca do desconhecido e do entusiasmo galvanizante de quem se sente um aventureiro.
Durante os anos que se seguiram as melhores experiências decorreram sempre que me senti integrada no seio da minha turma. Como que naturalmente organizados, todos os intervalos nos encaminhávamos em conjunto, cerca de dezassete rapazes e raparigas, para o campo, onde, durante meia hora de intervalo, o mundo se transformava numa correria desenfreada na demanda da captura dos “ladrões”, tal como em “Aniki Bobó”. Por vezes, dedicávamo-nos à exploração da fauna envolvente, detetando com uma visão acutilante, típica da curiosidade infantil, os caracóis que, alheios à nossa euforia pueril, eram todos reunidos em “habitações” construídas por nós mesmos com folhas e galhos caídos. Como éramos um grupo numeroso, gostávamos de tentar ocupar todos, em simultâneo, um único baloiço, o que provocava represálias por parte das funcionárias, às quais respondíamos dispersando-nos fugazmente entre risos e olhares cúmplices de quem se sente temerário.
Esta inocência e pureza com que a vida fluía num encadeamento natural, aproxima a minha infância da das crianças da década de 40 retratadas em “Aniki Bobó”.
No entanto, nos tempos hodiernos, por oposição ao contexto epocal da longa-metragem, a liberdade que se fazia sentir, outrora, nos anos da puerícia tem vindo a ser progressivamente limitada dada a constatação de um clima de insegurança que molda a atualidade.
Revejo a minha personalidade em várias personagens do filme: a intensidade exacerbada com que Eduardinho afirmava a sua personalidade no seio do grupo; a preocupação afetuosa com que Carlitos defendia, nos mais singelos atos, os seus amigos; ou até mesmo no pequeno Batatinhas que suscita a comicidade pela sua propensão a ser um pouco desastrado.
É com nostalgia que relembro esta época da minha vida. Porém, posso afirmar com orgulho que fui feliz pela inconsciência com que fruía da efeméride da infância, quando o “pensar” e o “sentir” eram dois conceitos indistintos e interligados, a época em que aprendi a rir genuinamente e em que a única dúvida era escolher a brincadeira do dia seguinte.”
Também a Débora Gonçalves, minha ex-aluna e atual aluna de Cinema da UBI, leu o seu magnífico texto:
“Onde houver uma boneca há também uma Teresinha
Aniki Bebé, Aniki Bóbó.
Com a cantilena que dá nome ao filme do Mestre, Teresinha poderia ter decidido qual dos dois amores iria ser o seu. No entanto, não é assim que se desenrola a história que também a pequena protagoniza sendo uma personagem fulcral de um filme intemporal. A menina esguia de sorriso afável e certa daquilo que quer depressa porque tem pressa, jamais se permitiu levar pelos anos. Não teve pressa de crescer e ficou pelas ruelas de um velho Porto a cantarolar com o seu grupo de amigos. Amigos com quem travou aventuras que não são passíveis de se perderem no tempo. A Teresinha é como todas as crianças do Aniki, um desabrochar de vida. Apaixonante e perspicaz vive graciosa e discreta como menina amada num mundo singular onde as crianças sabem ser crianças, e onde o sonho não se deixa imanar pela realidade cruel de dias severos. A Teresinha é uma lição, o exemplo do que é ser feliz com quase nada. A vida que levava era pacata na sua simplicidade mas memorável na falta de rotina, e na regra forçada que é a autenticidade da essência de fazer valer a voz e a vontade. A sua opinião era sempre a que contava, o seu gosto era sempre o mais desejado. E não é assim que se vive a façanha do crescimento? Uma busca constante e incessante pela aceitação de quem compreende um sentimento tão puro como o amor e a genuinidade. A Teresinha não é a boneca do Aniki mas também o poderia ser. Angelical e delicada está deleitante em cada cena com projeção para o arrebatamento dos que se deixam levar pelo filme como que pela mão das suas próprias infâncias.
E poderá ser Teresinha a boneca da vida da atriz que lhe deu vida? A memória feliz e requintada dos meses em que à beira Douro se fez uma efeméride cinéfila que nunca deixará de ser atual porque em todos os recantos onde existir uma menina haverá sempre um bocadinho da Teresinha que Manoel de Oliveira quis para si.
Não ouse o mundo deixar de ser simples aos olhos de uma criança. É preciso que haja Teresinhas, Carlitos e Eduarditos, para que a esperança se cumpra na inquietação de querer ir para a rua correr sem medo de atropelos de uma sociedade crescida que não teve tempo para ver, para ir à loja das tentações descobrir que nela existia uma boneca que moveu mundos e fundos para fazer felizes umas quantas crianças que para bem de todos sabiam o que era Amar.
E, no final, seguiram todos por um bom caminho.”
E se o filme, e a nossa memória, é um álbum de imagens afetivas em movimento, a tarde de hoje foi de “brilhozinho(s)nos olhos”. Fernanda Matos, como gosta de ser tratada -, segredou-me, emocionada: “Foi a mais bela homenagem que me prestaram”.
É um Encanto, não apenas enquanto Teresinha mas sobretudo enquanto Fernanda Matos. Muito obrigada por nos ter honrado com a sua presença! Estamos Felizes.
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Agradeço, mais uma vez, a todos os professores, a todos os alunos, aos *Sésamos, grupo de teatro (a que a Débora Gonçalves e a Carina Lopes pertencem) que abrilhantou a tarde, à Vereadora da Educação, Lucinda Fonseca, ao Diretor da ESA, Fernando Sampaio, ao Presidente do Cineclube de Amarante, Manuel Carvalho, à Cineasta, Bárbara Veiga por ter partilhado connosco o seu preciosíssimo documentário, ao Paulo Martins pela criação estética do cartaz desta iniciativa, e aos demais presentes, bem como à Gatilho que, para além de ter cedido o espaço para a exposição, a dilatou no tempo em virtude do seu sucesso. Muito Obrigada. É/Foi um prazer trabalhar convosco.