“Tudo sobre a minha Mãe” de Pedro Almodóvar. Por Sandra Pinheiro (12.º CT2)

Mostra de Filmes

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O PNC  e a docente de Espanhol, Cátia Gonçalves, decidiram desenvolver uma mostra de filmes “O Cinema também fala…Espanhol”, dando a conhecer aos alunos dos vários anos de escolaridade – do 7º ao 12.º anos alguns filmes/cineastas importantes.

9 tudo sobre a minha mae 003Dos vários trabalhos realizados pelos alunos, divulgo o excelente texto da Sandra Pinheiro. Muito Obrigada.

“É sempre extraordinário quando um filme fica a remoer-nos durante dias. Faz-nos repensar tudo o que imaginávamos então saber e abala-nos as pedras basilares de uma construção moral e cívica, por nós feita de algo dentro de uma sociedade e de um todo. Estas obras prendem-nos a elas e arrancam um pouco de nós para sempre. Muitas vezes um pedaço mau que não fazia cá falta. Esta tirou-nos todo o preconceito e arrematou-nos, deixou-nos numa rua abandonada, atormentados e abalados com a mensagem, mas no fim, tal como a personagem principal, Manuela, encontramo-nos.

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“Tudo sobre a minha mãe” representa o melhor do cinema espanhol de transgressão, enfatizando a aceitação da diversidade comportamental, sexual ou humana. Magistralmente Pedro Almodóvar oferece-nos um realismo chocante e aborda um sub-mundo de marginalidade apenas superficial, porque cada uma destas personagens nada tem de marginal, mas sim de diferente. São diferentes, procuram pelo sentido da sua vida e muitas vezes perdem-se em caminhos e reencontram-se novamente. Mas há nestes caminhos, nestes reencontros bizarros, algo que Almodóvar transforma numa magnifica obra de arte pintada à sua maneira.

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Vislumbra-se Esteban, um jovem de 17 anos, que poderia ser qualquer um de nós, carregado de sonhos e de futuro. Assim desencadeia-se todo o argumento fílmico, quando no final de uma peça de teatro Esteban tenta alcançar um autógrafo de uma das atrizes e morre violentamente atropelado, cai a chuva, caiem-lhe os sonhos e cai a sua mãe, Manuela.
A partir daí, o filme centra-se na procura do pai de Esteban, Lola, que vive como travesti, não se sabe onde. Na tentativa de o encontrar, Manuela conhece Rosa, uma freira grávida infectada com o vírus da SIDA, prestes a partir para El Salvador. Reencontra Agrado, um travesti que vive nos subúrbios de Barcelona. Esta personagem, talvez a que me despertou mais interesse, aparentemente nada tem de autêntico, no entanto é a mais verdadeira que se mostra ao longo do filme: a sua autenticidade reside no próprio corpo. Quando Agrado afirma que o que mais autêntico possui é o silicone revela-nos o lado mais verdadeiro do nosso ser: o que é fruto do nosso desejo. O que desejamos é sempre o mais autêntico. Somos levados pelo seu discurso , que nos agrada sempre pela simplicidade e história coloquial de vida, ou não seria esse o significado do seu nome, agradar aos outros. Como ela própria diz – ” Ficamos mais autênticas quanto mais nos parecemos com aquilo que sonhamos que somos”.

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Por fim, Manuela conhece Huma Rojo, a atriz da peça inicial,”Um elétrico chamado desejo”, de quem se torna amiga.
Este filme, é a meu ver, uma homenagem a todas as mulheres. Valoriza a condição de cada uma: como mulher, como mãe e como ser que exerce um papel tão de maravilhoso e importante como de dilemático. É um tributo, como o próprio Almodóvar refere, a todas as mulheres mesmo, por isso também o é às mulheres que se sentiam presas em corpos de homem. É uma defesa pública a todos os travestis e transsexuais, a toda a comunidade LGBT que tem nos dias de hoje um lugar muito inferior e pouco respeitado na sociedade e no mundo. Alvos de atitudes desumanas, homófobicas, transfóbicas, de violência e desprezo. Sendo humanos, não o são aos olhos dos outros.
O realizador pretende assim alertar-nos, nem que seja num tom um quão irónico e divertido através de Agrado, para a flagrante violação dos direitos das mulheres e dos direitos humanos.

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“Tudo sobre a minha mãe” incute-nos também um espírito transgressor e de luta. Só ultrapassando fronteiras e limites, só cortando com o que achamos desumano é que poderá haver evolução. Aliás, só há evolução se houver transgressão. Transgressor pode ser qualquer um. Qualquer um que não aceite que o mundo é um lugar recheado de mulheres e homens desenhados à semelhança de outros. Um mundo utópico e recheado de perfeccionismo. Qualquer um que acredite que a humanidade é diversidade e é por isso que se chama humanidade.

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A história é feita de transgressores, mulheres e homens que foram um dia crianças e jovens como nós . Mas haverá evolução se houver jovens que transgridam o normal, jovens que percebem a diversidade humana e o ser humano tal como ele é: único. Há uma necessidade muito grande de progresso e é através de pessoas questionadoras, que ousam roçar a palavra revolução, inconformistas face ao amorfismo e a estagnação e que, por fim, se revoltam contra o que é moral e civicamente aceite, mas humanamente fraco e inautêntico. Enquanto houver estes jovens, a humanidade evoluirá.

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Enquanto houver a oportunidade de vermos este e outros filmes, que nos ensinam, que nos transformam e que nos tiram da zona de conforto haverá transgressão. Enquanto o Plano Nacional de Cinema fomentar a inclusão destes filmes, que não roubam tempos letivos mas antes oferecem tempos melhores, com enriquecimento de valores e preparação para o mundo real que todos os dias se metamorfoseia, haverá transgressão. Enquanto houver uma professora de cabelos vermelhos com vontade de oferecer a jovens alunos um pouco de Cinema, um pouco de vida, numa escola que é minha há 6 anos, haverá sempre transgressão.”

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